Começo o artigo dessa edição com algumas perguntas para uma reflexão rápida: O que você faz quando está satisfeito? Quando você está saciado por uma bela refeição, tem vontade de comer mais? Quando você recebeu uma resposta adequada, que esclareceu toda a sua dúvida, tem vontade de perguntar mais? Quando você ganhou aquele tão sonhado presente que te preencheu, tem desejo de ganhar mais alguma coisa? Se não estou completamente equivocado, imagino que a resposta para todas essas perguntas seja não.
Na maioria das vezes, quando estamos satisfeitos, dificilmente temos motivação para agir, nos movimentar, partir para uma ação que exija algo de nós. O desejo, a motivação, vem justamente quando estamos insatisfeitos. O oposto disto, a famosa zona de conforto, é a representação deste estado de satisfação. Ficar na zona de conforto é muito bom e é importante estarmos ali, curtindo um período de êxito, de descanso. Mas, a questão fundamental que devemos observar é que essa condição tem prazo de validade. Ela é útil apenas durante um certo período. Depois de um tempo, ela passa a jogar contra nós.
A neurociência, que é a área que se dedica a estudar o funcionamento do cérebro, tem apontado que a nossa tendência é a de repetir as coisas, os hábitos, os métodos, as atitudes. Temos dificuldade de encarar o novo, pois queremos manter comportamentos conhecidos, ações e técnicas que acostumamos repetir e que são mais seguras e nos poupam energia mental e física. Por tudo isso, é que temos uma tremenda dificuldade de encarar o novo, os caminhos desconhecidos.
O problema é que todo o nosso crescimento, tanto pessoal quanto profissional (que pra mim é a mesma coisa, não há separação), ocorre mesmo é na zona de desconforto, quando o “bicho pega” de verdade. Popularmente conhecemos este espaço mais como um espaço de crise. São nesses momentos que precisamos utilizar toda a nossa capacidade, nossa inteligência, nossa criatividade, nosso esforço físico até, para revertermos uma situação. É aqui que a nossa musculatura se desenvolve e que a plasticidade neuronal (capacidade dos nossos neurônios criar novas conexões, conforme os últimos estudos da neurociência) se expande.
Mesmo assim, mesmo sabendo que é na crise onde mais crescemos, temos pavor de entrar, permanecer e passar por ela. Corremos dela, e, no lado oposto, adoramos e fazemos de tudo para ficarmos na zona de conforto.
Não é a toa que talvez a vida seja tão sábia e nos convide com frequência a enfrentar desafios. Basta olhar para nossa realidade no Brasil para ver o grande exercício de resiliência e de um enorme aprendizado de como fazer as pazes com espaços e períodos de crise. Trabalhar no agronegócio, onde nossos produtos são commodities e os preços flutuam ao sabor de uma alta volatilidade, turbinam ainda mais essas lições. E, para completar, trabalhar com suinocultura no Brasil…
Por isso, dentre as múltiplas responsabilidades dos que estão no papel de liderança, acredito que uma das mais importantes seja a capacitação do time para enfrentar de forma positiva e aberta os momentos de dificuldade, desconforto e crise. Não adianta, é inevitável. Mais cedo ou mais tarde todo mundo passa por um momento assim, seja individualmente ou fazendo parte de um grupo. E faz toda diferença ter consciência de que, apesar de difíceis, estes momentos são muitas vezes nossos grandes mestres. Daí a importância do líder conduzir seus times com este olhar, com essa percepção para que todos aproveitem a jornada do processo como uma lição e não como um castigo ou infortúnio.
Quem desenvolve essa capacidade consegue, mesmo passando os apertos inerentes de momentos de dificuldade, se manter mais lúcido e mais confiante durante a travessia. A grande sacada é transformar a zona de desconforto, o aperto, a dificuldade, o sofrimento até, em fonte de transformação, de grandeza e não de dor. E o retorno é que, encarando dessa forma, todos saem mais fortalecidos e melhores.
Por isso, bem-vinda zona de desconforto!
Fonte:
Artigo da edição de fevereiro extraído da Revista Feed&Food, escrito por Everton Gubert, fundador e diretor de Inovação da Agriness.